domingo, 29 de dezembro de 2019

Citações | Do Que Estamos Falando Quando Falamos de Estupro - Sohaila Abdulali


"O que acontece quando você guarda um segredo tão grande? O que acontece com você, e o que seu silêncio representa para as pessoas à sua volta e a sua comunidade?" - 31
"Por que calamos? A resposta fácil é 'por vergonha', e com frequência  a razão é essa mesmo. Acabamos achando que a falha foi nossa, por estamos disponíveis ou vulneráveis, ou pela ingenuidade de não ter percebido a tempo. Em todo o mundo, nos culpamos, incapazes de considerar que foi outro ser humano que cometeu o crime. É mais fácil sentir-se envergonhada do que aceitar que alguém violou nossa intimidade da maneira mais perversa, e que não fomos capazes de fazer nada." - 32
"Contar é difícil porque, embora você possa controlar a quem conta... você não consegue controlar a reação da pessoa. Tem que aceitar o que vier. Portanto, quando você passa a ser violada de modo tão abrangente, é claro que faz sentido manter sua dor trancada onde ninguém pode torná-la pior." - 35
"A mudança começa em casa, na vida e nas atitudes do dia a dia. A lei, mesmo quando um estuprador é considerado culpado, em pode no máximo fazer apenas isso, decretá-lo culpado, em apoio aos sobreviventes. A lei não segura sua mão quando você morre de medo de sair à noite de novo. Uma mudança na lei não causa necessariamente uma mudança de atitude se você tem um sentimento muito intenso em relação a algo... Os sistemas de justiça são construções imperfeitas, mas fazem diferença. As leis podem afetar, e afetam, a maneira como agimos." - 103
"Em toda comunidade, grande ou pequena, a pessoa responsável dá o tom. Cultura familiar, cultura escolar, cultura nacional: voltamos o olhar para os nossos líderes, para descobrir como devemos pensar e o que devemos priorizar." - 145
"Todo o sistema cria uma dicotomia entre as mulheres puras e as que são para foder." - 152
"Cultura do estupro. A totalidade de todas as coisas grandes e pequenas que fazemos, dizemos e acreditamos e que em última instância leva à conclusão de que não há problema em estuprar. Talvez não sejam todas as pequenas coisas: servir seu filho primeiro ... não significa que você endossa o estupro; fazer piada de mulher dirigindo mal não significa que você endossa o estupro ... Mas cada uma dessas coisas tira uma lasca do respeito próprio de mulheres e meninas, e faz os meninos se sentirem um pouco mais autorizados, um pouco mais importantes, como se tivessem passe livre para circular pelo mundo e pegar o que quiserem sem pensar duas vezes." - 159
"Um limite é similar a uma fronteira, um lugar onde você termina e a outra pessoa começa. Quando os limites são invadidos, significa que uma pessoa entrou no território que pertence à outra. Pode ser um limite emocional, um limite físico ou um limite sexual. Mas também existem limites em outras áreas. Dizer a uma pessoa como é que ela deve pensar viola seus limites psíquicos. Dizer a outra pessoa como ela deve gastar seu dinheiro viola seus limites financeiros. Abusos costumam ser identificados pelos limites que foram violados. O abuso sexual viola quase todos os limites concebíveis de um ser humano. Ultrapassa as linhas físicas, sexuais, emocionais, psíquicos e espirituais. Essa violação deixa a vítima num estado de ausência de limites. Com isso, a capacidade de estabelecer limites e mantê-los fica comprometida. Como adulto, a vítima de abuso sexual pode ter dificuldade de lidar com limites em todos os seus relacionamentos." - 182 e 183
"Como iremos compreender o que produz a violência nas sociedades se nos recusarmos a reconhecer a humanidade daqueles que a cometem? E será que conseguiremos empoderar os sobreviventes se fizermos os outros se sentirem 'inferiores'? Como podemos discutir soluções a uma das maiores ameaças à vida das mulheres e crianças ao redor do mundo, se as próprias palavras que usamos fazem parte do problema?" - 203
"Gostaria de dizer que tenho fé na natureza humana. A natureza humana é feita de bondade e generosidade, compaixão e respeito. Mas a natureza humana também é vil e cruel, egoísta e arrogante. Estive intimamente envolvida com todos os aspectos da natureza humana, e não tenho uma resposta sobre o que realmente somos. O que sei, de fato, é que fazemos escolhas sobre como tratar uns aos outros, e com excessiva frequência a escolha é violar, destruir em vez de construir.O estupro vem de algum instinto primitivo, ou é consequência inevitável da maneira como aprendemos a nos relacionar? Será que algum dia vamos conseguir compreender isso, juntos? Não importa qual seja a resposta, com certeza não vamos encontrá-la se não conversarmos uns com os outros. Num mundo tão cheio de ruído, é fácil ignorar o silêncio em torno do estupro. É mais fácil falar em estatísticas e convicções moralistas, em vez de tentar encarar questões de impunidade e de memórias imprevisíveis e justificativas sem sentido; de vergonha e culpa e do enfado de um trauma que continua, continua e continua. Dos bizarros paradoxos que não se consegue categorizar facilmente. Espero que todas as vozes desse livro... ajudem a acabar com parte desse silêncio, lançando um pouco de luz na escuridão." - 243

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