Citações | Do Que Estamos Falando Quando Falamos de Estupro - Sohaila Abdulali
"O
que acontece quando você guarda um segredo tão grande? O que acontece com você, e o que seu silêncio representa para
as pessoas à sua volta e a sua comunidade?" - 31
"Por que calamos? A resposta fácil é 'por vergonha',
e com frequência a razão é essa mesmo.
Acabamos achando que a falha foi nossa, por estamos disponíveis ou vulneráveis,
ou pela ingenuidade de não ter percebido a tempo. Em todo o mundo, nos
culpamos, incapazes de considerar que foi outro ser humano que cometeu o crime.
É mais fácil sentir-se envergonhada do que aceitar que alguém violou nossa
intimidade da maneira mais perversa, e que não fomos capazes de fazer
nada." - 32
"Contar
é difícil porque, embora você possa controlar a quem conta... você não consegue
controlar a reação da pessoa. Tem que aceitar o que vier. Portanto, quando você
passa a ser violada de modo tão abrangente, é claro que faz sentido manter sua
dor trancada onde ninguém pode torná-la pior." - 35
"A
mudança começa em casa, na vida e nas atitudes do dia a dia. A lei, mesmo
quando um estuprador é considerado culpado, em pode no máximo fazer apenas
isso, decretá-lo culpado, em apoio aos sobreviventes. A lei não segura sua mão
quando você morre de medo de sair à noite de novo. Uma mudança na lei não causa
necessariamente uma mudança de atitude se você tem um sentimento muito intenso
em relação a algo... Os sistemas de justiça são construções imperfeitas, mas
fazem diferença. As leis podem afetar, e afetam, a maneira como agimos." -
103
"Em
toda comunidade, grande ou pequena, a pessoa responsável dá o tom. Cultura
familiar, cultura escolar, cultura nacional: voltamos o olhar para os nossos
líderes, para descobrir como devemos pensar e o que devemos priorizar." -
145
"Todo
o sistema cria uma dicotomia entre as mulheres puras e as que são para
foder." - 152
"Cultura
do estupro. A totalidade de todas as coisas grandes e pequenas que fazemos,
dizemos e acreditamos e que em última instância leva à conclusão de que não há
problema em estuprar. Talvez não sejam todas as pequenas coisas: servir seu
filho primeiro ... não significa que você endossa o estupro; fazer piada de
mulher dirigindo mal não significa que você endossa o estupro ... Mas cada uma
dessas coisas tira uma lasca do respeito próprio de mulheres e meninas, e faz
os meninos se sentirem um pouco mais autorizados, um pouco mais importantes,
como se tivessem passe livre para circular pelo mundo e pegar o que quiserem
sem pensar duas vezes." - 159
"Um
limite é similar a uma fronteira, um lugar onde você termina e a outra pessoa
começa. Quando os limites são invadidos, significa que uma pessoa entrou no
território que pertence à outra. Pode ser um limite emocional, um limite físico
ou um limite sexual. Mas também existem limites em outras áreas. Dizer a uma
pessoa como é que ela deve pensar viola seus limites psíquicos. Dizer a outra
pessoa como ela deve gastar seu dinheiro viola seus limites financeiros. Abusos
costumam ser identificados pelos limites que foram violados. O abuso sexual viola
quase todos os limites concebíveis de um ser humano. Ultrapassa as linhas
físicas, sexuais, emocionais, psíquicos e espirituais. Essa violação deixa a
vítima num estado de ausência de limites. Com isso, a capacidade de estabelecer
limites e mantê-los fica comprometida. Como adulto, a vítima de abuso sexual
pode ter dificuldade de lidar com limites em todos os seus
relacionamentos." - 182 e 183
"Como
iremos compreender o que produz a violência nas sociedades se nos recusarmos a
reconhecer a humanidade daqueles que a cometem? E será que conseguiremos empoderar os sobreviventes se fizermos os outros se
sentirem 'inferiores'? Como podemos discutir soluções a uma das maiores ameaças
à vida das mulheres e crianças ao redor do mundo, se as próprias palavras que
usamos fazem parte do problema?" - 203
"Gostaria de
dizer que tenho fé na natureza humana. A natureza humana é feita de bondade e
generosidade, compaixão e respeito. Mas a natureza humana também é vil e cruel,
egoísta e arrogante. Estive
intimamente envolvida com todos os aspectos da natureza humana, e não tenho uma
resposta sobre o que realmente somos. O que sei, de fato, é que fazemos
escolhas sobre como tratar uns aos outros, e com excessiva frequência a escolha
é violar, destruir em vez de construir.O estupro vem de algum instinto
primitivo, ou é consequência inevitável da maneira como aprendemos a nos
relacionar? Será que algum dia vamos
conseguir compreender isso, juntos? Não importa qual seja a resposta, com
certeza não vamos encontrá-la se não conversarmos uns com os outros. Num mundo
tão cheio de ruído, é fácil ignorar o silêncio em torno do estupro. É mais
fácil falar em estatísticas e convicções moralistas, em vez de tentar encarar
questões de impunidade e de memórias imprevisíveis e justificativas sem
sentido; de vergonha e culpa e do enfado de um trauma que continua, continua e
continua. Dos bizarros paradoxos que não se consegue categorizar facilmente.
Espero que todas as vozes desse livro... ajudem a acabar com parte desse
silêncio, lançando um pouco de luz na escuridão." - 243
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