sábado, 23 de janeiro de 2021

Resenha | Malorie (Josh Malerman)


 

Em 2015 a editora Intrínseca nos aterrorizou com o livro Caixa de Pássaros, do escritor Josh Malerman, no qual criaturas misteriosas fazem as pessoas enlouquecerem e passem a cometer assassinatos, seguido de suicídio. Após uma adaptação para a Netflix, estrelada pela maravilhosa Sandra Bullock, e milhões de fãs, eis que somos presenteados com a aguardada continuação, chamada Malorie.

Nesta esperada sequência, voltamos a acompanhar a jornada de sobrevivência de Malorie e seus dois filhos (Tom e Olympia). Depois de anos em um abrigo e seguindo as regras que os mantiveram vivos por tantos anos, um novo acontecimento fará com que nossa protagonista tome uma importante decisão, que pode significar um recomeço com a esperança renovada ou condená-los a um trágico fim.

Para aqueles que gostam das coisas explicadas e esperam respostas para suas perguntas, corram de Malorie. Afinal, a preocupação do autor não é com as criaturas, mas sim com a nossa protagonista e seus filhos. Ao longo da leitura, vamos acompanhando como as pessoas do velho mundo precisaram se adaptar a nova realidade e em como os nascidos nesse caos, já não temem tanto as criaturas e se sentem confiantes em realizar alguns experimentos - essa dicotomia entre o velho e o novo é o ponto alto do livro e permite muitas reflexões.

Será que ela não entende que você pode passar a vida inteira de olhos vendados, mas com isso só está perpetuando a mentira de que não pode ver?

Gosto de pensar que as criaturas misteriosas da obra, servem como uma analogia aos medos que os pais nutrem pelos filhos estarem no mundo exterior. Se em casa, é possível protegê-los de todo tipo de sorte, quando eles estão crescidos precisam buscar seu próprio lugar, seja através de amizades e aprendizagens da escola; seja por meio de um emprego, neste mundo tão competitivo. Esse conflito de interesses/temor é muito realçado no comportamento de Malorie em querer dizer como os filhos devem se comportar sob alegação de que isso os manterão vivos, enquanto que Olympia e Tom, buscam uma independência, cometendo pequenas infrações e se tornando cada vez mais questionadores. Também é interessante a consciência de Malorie que ela comete excessos e erros enquanto mãe e ilustra isso nos autoquestionamentos que faz ou em flashbacks nos quais lembra de momentos bons e "ruins" que teve ao lado dos pais. Convém pontuar, também, que o excesso de zelo de Malorie, faz com que a leitura, em alguns momentos, seja maçante. O que pode gerar certa insatisfação em muitos leitores.

Além das relações familiares, outros assuntos que precisamos ficar atentos são a adaptação frente a adversidade, os limites da mente humana, as relações sociais em um mundo despedaçado e a aceitação do diferente.

Malorie é um livro que se aproveita dos melhores momentos do seu antecessor para trazer uma história sólida e se aprofundar na complexidade dos seus personagens principais. O mistério, a paranóia e a brutalidade continuam presentes, agora juntamente com a possibilidade de ter esperanças - elementos que vão agradar tantos aos fãs antigos, quanto àqueles que ainda não conheciam essa disposta do Malerman. 

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Resenha | Zoo (James Patterson e Michel Ledwidge)


A relação do homem com a natureza quase sempre foi predatória. Queimadas, caça, pesca, desmatamento, poluição e aquecimento global são alguns exemplos de como as ações humanas interferem no equilíbrio ambiental.

Tendo como ambientação a conflituosa relação do homem com a natureza, James Patterson, em parceria com Michael Ledwidge, nos apresenta o sensacional Zoo, lançado pela editora Arqueiro.

Na trama acompanhamos a luta do jovem biólogo Jackson Oz para alertar o mundo acerca de um estranho comportamento entre os animais, que tem os deixado mais agressivos, fazendo com que eles ataquem os humanos.

"A vida e a existência nunca puderam ser totalmente entendidas. Estrelas nascem só para explodir. Criaturas caçam outras criaturas e depois morrem. O Universo é um caos de forças irracionais enfrentando-se numa guerra sem fim. A raça humana está agora na outra ponta."

Apesar da premissa homem x natureza não ser original, vide que nos últimos anos vimos lançamentos de filmes como Deus Branco, Fim dos Tempos e Planeta dos Macacos; a obra de Patterson faz alguns alertas muito pertinentes, a exemplo da importância da ciência, da inabilidade dos governos em lidar com crises e do equilíbrio ambiental para as nossas vidas.

Ao longo da leitura de Zoo, logo somos fisgados pela história, graças aos personagens humanos, mas principalmente, pelo ambiente aterrorizante que se é criado - destaque para as locações nos Estados Unidos, África e Índia. Dividir o livro em blocos, nos quais somos apresentados a situações que nos permitem acompanhar o progresso da pandemia e o tamanho de sua gravidade, foi um grande acerto, afinal a todo momento nos sentimos dentro da história.  Cabe destacar ainda, as diversas cenas de ação/terror - em especial, a que envolve os golfinhos e a horda de animais liderada por um macaco (te lembram algo?). Alguns momentos foram estarrecedores pela semelhança com nossa realidade, principalmente o negacionismo da ciência pelos militares (em tempos de pandemia, não lembra um governo de um certo país?). Ah, e não podemos deixar de enaltecer a capa incrível que o livro possui.

Apesar da obra ter me deixado empolgado, alguns contrapontos são necessários. Me incomodou um pouco o fato de Chloe ter ficado em segundo plano da metade pro final da história, mesmo tendo entendido os motivos, creio que essa transição poderia ter sido melhor trabalhada. Outra questão que me deixou com alguns questionamentos foi sobre o desfecho de alguns personagens, como Bárbara e Atilla - o livro deixa um gancho para continuações, que eu espero que aconteça.

Zoo é um livro que possui uma importante mensagem para todos nós. Ele nos questiona que tipo de futuro deixaremos para as próximas gerações; critica os políticos, que estão mais preocupados em manter o próprio status do que o bem do povo; enaltece a importância da ciência, principalmente diante de situações de calamidade pública; e, acima de tudo, engrandece à nossa resiliência, clamando que a gente possa estar sempre refletindo sobre nossas ações, afim de que possamos deixar um legado voltado para o bem comum. 

- Curiosidades:

A obra foi adaptada em formato de série pela CBS e conta com três temporadas.



sábado, 16 de janeiro de 2021

Resenha | Malala - Minha História em Defesa dos Direitos das Meninas (Malala Yousafzai)

 


Atualmente, temos acompanhado o crescimento de grupos de extrema direita no poder,  o que tem polarizado a política e tornado muitos lugares do mundo, regiões perigosas para se viver. Dentro desse contexto, muitos direitos passaram a ser negados e aquelas pessoas que tentam lutar contra a opressão, são perseguidas e muitas vezes sofrem diversas violências - entre elas, até a morte.

Uma das regiões mais violentas que conhecemos é  o Oriente Médio, fruto em grande parte do surgimento do Talibã - um grupo extremista islâmico. Esse grupo, atuou no Paquistão, promovendo o caos e a chacina, destruindo escolas e perseguindo todos àqueles que tentavam restabelecer um pouco de esperança para o povo - uma das pessoas que eles tentaram matar foi Malala Yousafzai.

Malala Yousafzai, na época que sofreu um atentado terrorista, tinha apenas 15 anos, mas já se destacava - internacionalmente inclusive - graças a influência de seu pai, por defender o direito a educação para todas as crianças, em especial as meninas. E é parte dessa história que podemos acompanhar no livro autobiográfico Malala: Minha História em Defesa dos Direitos das Meninas, escrito em parceria com Patricia McCormick e lançado pela editora Seguinte.

"Em um país onde tantas pessoas consideram um desperdício mandar meninas à escola, são os professores que nos ajudam a acreditar nos nossos sonhos."

Essa obra se propõe a apresentar a vida de Malala no vale do Swat em três momentos distintos: antes do Talibã, durante a insurgência do Talibã e após o atentado terrorista que quase lhe tirou a vida.  Aqui já fale o registro de que apesar do livro ser indicado para leitores entre 8 a 12 anos, se faz necessário a intervenção de adultos durante a leitura, uma vez que no conteúdo há passagens de extrema violência  e também questão políticas que podem ser difíceis para o público alvo assimilar.

Ler sobre a vida de Malala é renovar nossas esperanças em um mundo melhor. Além disso, a obra tem um papel importante em denunciar para o mundo como o patriarcado tolhe o futuro de milhões de mulheres, em nome da tradição; as atrocidades que regimes extremistas podem provocar em uma região - mesmo quando são pautados, em algo sagrado (como a religião) -; fazer uma breve análise da insurgência do Talibã e lançar luz sobre acontecimentos e pessoas, que pela distância, passariam longe do nosso conhecimento.

"Nossa família não olhada para a vida e via perigo. Todos víamos possibilidades. Acreditávamos na esperança."

Mesmo com a densidade dos conteúdos apresentados em sua obra, revisitar ou conhecer a história de Malala se torna essencial num mundo em que os nossos políticos dão sinais de esgotamento e a todo momento somos chamados a promover as mudanças que queremos, sendo que a educação se apresenta como um dos instrumentos mais poderosos para isso.

 


Citações | Malala - Minha História em Defesa dos Direitos das Meninas (Malala Yousafzai)

 


  • "Em um país onde tantas pessoas consideram um desperdício mandar meninas à escola, são os professores que nos ajudam a acreditar nos nossos sonhos." - 61
  • "Nossa família não olhada para a vida e via perigo. Todos víamos possibilidades. Acreditávamos na esperança." - 78

domingo, 10 de janeiro de 2021

Resenha | Narciso em Férias (Caetano Veloso)


 A Ditadura Militar foi um período sombrio da história política brasileira que durou de 1964 até 1985. Na época desse regime, os militares tomaram o poder através de um golpe, e passaram a comandar o país de forma arbitraria e repressiva - com direito a torturas, perseguições, assassinatos e diversas outras violências.

Hoje em dia, no campo político, voltamos a ver o radicalismo e o fortalecimento da extrema direita nos cargos de poder, fazendo com que nossa Democracia esteja seriamente ameaçada. Pensando neste difícil contexto, é importante voltarmos ao passado e ouvirmos as vitimas da Ditadura, para que a gente não repita os mesmos erros no futuro. Assim, Caetano Veloso, através da Companhia das Letras, nos apresenta Narciso em Férias, um relato na época em que ele foi preso de forma arbitrária pelos militares que estavam no poder.

"... nós nos sentimos como vítimas de um sequestro comum, embora de certo modo soubéssemos que estávamos exatamente inaugurando um período em que, no Brasil, cada vez mais pessoas sentiriam medo das autoridades e não dos delinquentes..."

Narciso em Férias é uma obra de 165 páginas, que foi lançada originalmente em 1997, como um capitulo do livro Verdade Tropical. Agora, se aproveitando de uma maior maturidade para entender a gravidade dos fatos ocorridos na época e também do lançamento do documentário, em 2020 - que leva o mesmo nome do livro - Caetano revive um dos momentos mais complicados de sua vida e apresenta um relato fiel dos 54 dias em que ficou preso, sofrendo violências psicológicas, a ponto de questionar a própria sanidade.  

A leitura da obra não é muito fluída, muito com conta da escrita poética, das divagações - próprias de alguém que está revisitando um período difícil da vida -, das reflexões filosóficas e das idas e vindas dos acontecimentos, sem nenhuma justificativa.  Ao longo de cada página vamos sentindo o crescimento do medo de Caetano e o drama de quem sequer sabia o motivo de estar preso e ainda a incerteza se voltaria vivo para casa. Outra coisa interessante é que o relato em si, não apresenta muito juízo de valor, cabendo ao leitor a pura análise do ocorrido. Os relatórios oficiais apresentados no fim da obra, que Caetano só teve acesso em 2018, enriquece a narrativa e lança luz para que o grande público conheça ainda mais, como as coisas aconteciam em um dos momentos mais vergonhosos de nossa história.

Narciso em Férias é uma obra muito necessária para os dias atuais, afinal temos a chance de aprendermos com o passado, para corrigirmos os erros do presente e assim, construirmos um futuro mais prospero e inclusivo.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Resenha | Suzy e as Águas-Vivas (Ali Benjamin)

 


Nós, seres humanos, temos uma incrível capacidade de nos colocarmos como o centro do universo e talvez por isso, nós terminamos vivendo cada período de nossas vidas como se aquilo fosse eterno. Contudo, aos poucos vamos descobrindo que as coisas não são bem assim e basta um passar de ano na escola ou então uma mudança de trabalho, ou ainda uma crise familiar, para nos lembrarmos que estamos em constante mudança.

"Às vezes a gente quer com tanta força que as coisas mudem que não suporta nem sequer estar na mesma sala com as coisas do jeito que realmente são."

O amadurecer humano é tratado, de forma direta ou indireta, em inúmeras obras literárias. Entretanto, a delicadeza com que a autora Ali Benjamin o aborda em seu livro Suzy e as Águas-Vivas, da editora Verus, nos serve como um importante convite.

Na trama somos apresentados a Suzy, uma pré-adolescente, que não aceita que a melhor amiga tenha simplesmente morrido afogada e tenta encontrar uma explicação científica para o ocorrido. Para isso, graças a culpa que sente pela forma como terminou o último encontro entre elas, Suzy vai se refugiar na própria imaginação e encontrará a ajuda na Sra. Turton e em outros personagens que estão enfrentando suas próprias batalhas.

"... quando acontece algo que ninguém consegue explicar, significa que chegamos aos limites do conhecimento humano. E é aí que a ciência é necessária. A ciência é o processo de encontrar explicações que ninguém mais pode lhe dar."

Benjamin dividiu sua obra de duas formas diferentes. A primeira foi através de elementos de um trabalho científico - cada parte foi caracterizada de um jeito: Objetivo, Hipótese, Referencial, Variáveis, Procedimento, Resultados e Conclusão. Em cada uma dessas etapas, os acontecimentos no livro foram selecionados para que compusessem ao seu final, uma grande pesquisa cientifica, o que tornou o livro bastante interessante. A outra forma de divisão foi através do tempo. No presente, Suzy vai nos contando sobre sua pesquisa para desvendar a morte de Franny e com todas as outras coisas que ela precisa lidar; e o passado, onde é relatado momentos especiais que as duas viveram juntas até o fatídico último encontro.

Apesar de ser um livro com bastante potencial, a leitura de Suzy e as Águas-Vivas não me prendeu. Para mim, as partes interessantes do livro ficam por conta das curiosidades cientificas que a nossa protagonista nos apresenta, em especial, sobre as águas-vivas - aqui cabe o destaque do acerto da escritora, em trazer elementos reais para a história. Também merece destaque a sensibilidade com que Benjamin retratou a questão do luto, principalmente numa etapa da vida em que a gente ainda não consegue lidar bem com nossos sentimentos - o fim da infância para o início da adolescência. De negativo, acredito que a retrospectiva da amizade existente entre Suzy e Franny poderia ser melhor elaborada, afinal em nenhum momento me senti tocado e não consegui criar uma identificação e nem me simpatizar com a Franny. Também gostaria que o Justin tivesse tido mais espaço no livro, seria um importante personagem para se aprofundar em temas como o Bullying, o Déficit de Atenção, entre outros.. que foram apenas pincelados no livro.

Suzy e as Águas-Vivas é um livro que merece ser lido, afinal ele traz temas relevantes e que precisam ser discutidos. Além disso, é uma obra que possui uma escrita curiosa e tem potencial para despertar nos jovens leitores o interesse pela pesquisa científica. E também, a Ali Benjamin consegue retratar temas difíceis, como a questão do luto, de uma forma muito delicada.

"O silêncio pode dizer mais que o barulho, da mesma maneira que a ausência de uma pessoa pode ocupar ainda mais espaço do que sua presença ocupava."


Citações | Suzy e as Águas-Vivas (Ali Benjamin)


 

  • "Às vezes a gente quer com tanta força que as coisas mudem que não suporta nem sequer estar na mesma sala com as coisas do jeito que realmente são." - 13
  • "... quando acontece algo que ninguém consegue explicar, significa que chegamos aos limites do conhecimento humano. E é aí que a ciência é necessária. A ciência é o processo de encontrar explicações que ninguém mais pode lhe dar." - 18
  • "... a gente nem sempre percebe a diferença entre um novo começo e um fim do tipo para sempre." - 32
  • "A questão é que temos muito poucas chances de consertar algo, de fazer as coisas ficarem certas. Quando uma dessas oportunidades aparece, não se pode ficar pensando demais. É preciso segurá-la e agarrar-se a ela com toda força..." - 45
  • "Talvez seja isso que acontece quando uma pessoa cresce. Talvez o espaço entre você e as outras pessoas em sua vida fique tão grande que você pode enchê-lo de todo tipo de mentiras." - 122
  • "... ter veneno não torna uma criatura má. Veneno é uma forma de proteção. Quanto mais frágil o animal, mais ele precisa se proteger. Portanto, quanto mais veneno uma criatura tiver, mais devemos ser capazes de perdoá-la. Elas são as que mais precisam do veneno." - 128
  • "O silêncio pode dizer mais que o barulho, da mesma maneira que a ausência de uma pessoa pode ocupar ainda mais espaço do que sua presença ocupava." - 181