A literatura brasileira por muito tempo se destacou pelos seus livros clássicos e de forma nostálgica, muito se fala em autores como Machado de Assis, Lima Barreto, Jorge Amado, entre outros. Até pouco tempo atrás, alguns gêneros, a exemplo da fantasia, quando trazidos por escritores nacionais, ainda eram vistos com desconfiança e certo preconceito. Contudo, esse cenário vem sendo desconstruído aos poucos, e desde o surgimento de autores como Raphael Dracoon, uma legião de novos leitores vem consumindo e apreciando esses outros estilos literários que muitos autores nacionais talentosíssimos vem nos oferecendo.
Seguindo nessa linha de
novos escritores nacionais, Eduardo Krauze resolveu se arriscar para além do
lugar comum e criar um mundo - ou mundos - totalmente novos, numa fantasia que
promete muito e nos deixa ansiosos pela continuação, em Mundo Desolado,
primeiro volume da trilogia A Crônica do Andarilho dos Sonhos, lançado pela
Editora Pendragon.
Na trama conhecemos o jovem Kalian, que sempre viveu uma vida simples em sua aldeia e sem muito contato com o mundo exterior, mas sonha em ir para o Continente. Entretanto, durante uma busca por ovelhas perdidas, Kalian encontra uma mulher misteriosa e após presenciar algo que ele acreditava ser impossível, toma uma decisão que mudará para sempre a própria vida e a de todos a sua volta.
"O egoísmo podia, sim, ser a resposta em muitas das ocasiões, porém, se aceitasse que nunca poderia fazer nada por ninguém além de si mesmo, para ele isso seria o mesmo que dizer que não havia esperança."
A leitura de Mundo Desolado
é bastante fluída, graças a escrita objetiva e sem muitos rodeios do Krauze. Os
grandes destaques da obra ficam por conta da construção do cenário e do
desenvolvimento dos personagens principais.
O mundo distópico
apresentado revela toda sua grandiosidade e nos faz sentir as mesmas
dificuldades e pavor que os protagonistas, graças a riqueza de detalhes que o
autor nos oferece - tanto das características do local, quanto dos seres que lá
habitam. Sobre os personagens vale a divisão em três grupos: os secundários, os
figurantes e os principais. Os figurantes foram usados de forma muito didática,
quando apareceram foi para ilustrar alguma explicação sobre o mundo ou o que
aconteceu antigamente; os secundários, contribuem de formas diversas na jornada
de Kalian, imprimindo nele ensinamentos e motivações para seguir em frente -
importante lembrar do velho Basumir, do impotente Bakar e sua sacerdotisa...
são personagens que passam a impressão de que ainda os veremos em algum outro
momento; e por fim, nosso quarteto principal - Kalian, Inara, Corvo e Amon.
Kalian e Inara foram bem construídos. É palpável o crescimento tanto de Kalian,
quanto de Inara, na medida que os dois vão interagindo e descobrindo novos
motivos para seguir em frente.
"Nunca esqueça de como é ser fraco, e da sensação de ser incapaz de proteger aqueles que ama. Se puder fazer isso, independentemente do quão poderoso se torne um dia, tenho certeza que nunca se arrependerá do caminho que escolheu."
Corvo e Amon, já não tiveram
a mesma atenção, na sua construção. Corvo foi inserido já como um maníaco de
sangue frio e Amon, como alguém que guarda muitos segredos sobre si mesmo -
como esse é o primeiro volume de uma trilogia, senti que há uma
intencionalidade do autor em ter guardado uma melhor exploração desses
personagens para outros momentos da história.
Ao fim da leitura, a
ressalva que faço é em relação as cenas de ação. Acredito que alguns
acontecimentos foram importantes demais para a história e merecia uma atenção
maior em seus detalhes, até para uma inserção mais profunda dos leitores nesse
momento, o que ajudaria na aproximação dos personagens e criaria uma empatia
ainda maior. Isso me incomodou um pouco, mas nada que diminua a qualidade da
história.
Mundo Desolado, a primeira
parte da Crônica do Andarilho dos Sonhos, é uma estreia promissora do Eduardo
Krauze. Com sua escrita mágica, ele nos transporta para um universo cercado de
perigos e perdas e nos convida para seguir nessa jornada de Kalian, rumo a um
lugar entre os maiores da fantasia nacional, que em nada deve aos escritores estrangeiros.