Ao longo da história humana, muitos governos surgiram com a promessa de
promover o bem estar social e, a médio/longo prazo, esses governantes se
mostraram autoritários e capazes de qualquer coisa para se manter no poder - são
exemplos desse tipo de governo o Nazismo, Fascismos, Militarismo, entre outros.
Sobre esse contexto acerca dos regimes totalitários há uma gama de produções e
uma que merece destaque é a fábula de George Orwell, A Fazenda dos Animais.
Relançado no Brasil, em uma edição especial,
pela Companhia das Letras, a obra conta a história dos animais da Fazenda
do Solar, que cansados de serem explorados e mal alimentados, resolvem seguir o
sonho de Major e fazer uma rebelião para tomar o controle para si. Após o
sucesso da empreitada, logo os animais passam a ser livres e a mudar as coisas
na Fazenda. Contudo, em pouco tempo, o que parecia ser a realização de um
sonho, pode se revelar o início de um grande pesadelo.
- Os Personagens
Orwell criou uma obra simples e genial. Numa época em que havia
muita censura, humanizar os animais foi uma jogada de mestre, digna das fábulas
de La Fontaine. Assim, o grande destaque da Fazenda dos Animais, são as
representação de características humanas de personagens históricos que os
animais assumem. Temos os porcos Major (o grande sonhador, apresenta a doutrina
da liberdade), Bola de Neve (o líder que pregava a igualdade e trazia novidades
para que todos se beneficiassem), Napoleão (aquele que viu o que precisava
fazer para concentrar o poder) e Guincho (o mestre da propaganda); os cães
Petúnia, Lulu e Grude (que fazia de tudo para manter todos unidos e evitar
conflitos); os cavalos Guerreiro e Tulipa (que representava o orgulho da classe
trabalhadora), e a égua Chica (faceira que preferia continuar tendo donos); a
cabra Mabel (que questionava entre os amigos, mas se calava diante dos donos de
poder); por fim, o burro Benjamim (o descrente, que acreditava que nenhuma
mudança seria possível).
Também vale
como nota, que no livro tem poucos personagens humanos, basicamente os
fazendeiros, representantes do sistema Capitalista - em especial, Sr. Jones, o
dono da fazenda tomada pelos animais.
- A Leitura
Quem passa o olho pelo livro A Fazenda dos Animais, logo tem a
impressão de que se trata de uma história infantil, afinal teria como ser
diferente já que a história é toda protagonizada por animais? Vencido esse
primeiro momento e já nas primeiras linhas da leitura, esse equivoco é logo
desfeito e a verdadeira natureza do livro se revela, uma critica sobre os mecanismos do poder e tudo
aquilo que leva à falência de grandes ideias e projetos de revolução.
Guiado pela sua experiência de vida e pelo contexto histórico da
época em que o livro foi escrito, a Segunda Guerra Mundial, Orwell oferece ao
leitor um panorama de como se forma um sistema autoritário e, graças a sua
escrita simples e direta, consegue atingir a todas as idades e classes.
Durante a leitura da obra foi impossível não identificar pontos
em comum com o atual governo brasileiro - seja pelo uso da propaganda para
promover a desinformação e assim continuar controlando as massas; a reverência
a bandeira e os feitos dos militares no passado; as regalias que os grupos
dominantes esbanjavam, enquanto os mais pobres passavam fome; mudança de leis
para atender aos interesses de determinado grupo; ideia de perseguição. Essa
identificação me causou tristeza já que em 1945 abominávamos os governos
fascistas que se utilizavam desses métodos e hoje contribuímos para eleger
políticos tão nefastos quanto.
"O Homem é a única criatura que consome sem produzir. Ele
não dá leite, não põe ovos, é fraco demais para puxar o arado, não consegue
correr com velocidade suficiente para alcançar um coelho. E no entanto é o
senhor de todos animais. Ele nos faz trabalhar, e só nos dá de volta o mínimo
que nos impeça de morrer de fome, guardando todo o resto para si próprio. Nosso
trabalho lavra a terra, nosso estrume a fertiliza, e no entanto nenhum de nós é
dono de outra coisa senão a própria pele..."
A escrita de Orwell merece inúmeros elogios, a escolha dos
momentos em que os fatos vão se desenrolando se mostram grandes acertos,
tornando a obra dinâmica e com a tensão palpável. Alguns desfechos são
emocionantes e é impossível o leitor ficar impassível com as pequenas e grandes
conquistas dos animais.
A Fazenda dos Animais é uma obra que se tornou um clássico e sai
direto da máquina do tempo para servir como denúncia do período em que vivemos
e nos convida a refletir sobre os governos que escolhemos e o preço que estamos
dispostos a pagar pela nossa omissão. Leitura imprescindível.
-
A Edição
A
Companhia das Letras preparou uma edição super especial para marcar esse grande
relançamento da obra de George Orwell. O primeiro destaque é a nova tradução, de
Paulo Henriques Britto, que tem uma proposta mais atualizada e renomeia o
livro, mudando A Revolução dos Bichos (tradução adotada por muitos anos no
Brasil) para A Fazenda dos Animais, título original. Vale ressaltar também o
projeto gráfico, com uma capa dura em tecido lindíssima e lombadas que lembram
presas animalescas. Além da história, o livro ainda oferece ao leitor algumas ilustrações, obras da artista
brasileira Vânia Mignone; um prefácio escrito pelo próprio autor (adaptado de
uma edição ucraniana); um posfácio escrito por Marcelo Pen - um importante
critico literário brasileiro; ilustrações sobre as capas que a obra teve pelo mundo,
ao longo desses 75 anos de lançada; e diversos ensaios que cobrem a recepção
crítica do livro desde o seu lançamento até os dias de hoje, e que merecem ser
lidas, uma vez que lançam sobre a obra novos pontos de vistas.
- Sobre o Autor
George Orwell
é um pseudônimo usado pelo escritor Eric Arthur Blair. O escritor, nascido em
25/06/1903 na Índia, teve uma vida cheia de aventuras que serviram como
material para seus livros. Fez parte da policia oficial da Birmânia (região da
Índia sob domínio da Inglaterra) e lutou na Guerra Civil da Espanha, onde quase
morreu após ser baleado na garganta. Terminada a Guerra, terminou sendo
perseguido sob a acusação de ser comunista. Assim, se refugiou na Inglaterra,
onde resolveu viver uma vida humilde e muitas vezes como andarilho das ruas.
"Vivenciar
tudo isso foi uma lição valiosa: ensinou-me como é fácil para a propaganda
totalitária controlar a opinião de pessoas educadas em países
democráticos."
Eric A. Blair,
faleceu em 21/01/1950, aos 46 anos, em decorrência de uma tuberculose pulmonar.
- Curiosidades
A Fazenda dos
Animais foi lançado mundialmente em 1945, e durante a Guerra Fria viu o
interesse por ela crescer, pois se acreditava que o livro era uma critica ao
Comunismo. Assim, a CIA a traduziu para inúmeros idiomas, chegando ao Brasil em
plena ditadura militar, no ano de 1964.
No Brasil, o
livro é mais conhecido como A Revolução dos Bichos, título que perdurou por
muitas traduções e ainda hoje é o mais utilizado pelas diversas editoras.