Quando o inverno chega, o que
escondemos sob a neve?
Guerras, roubos, assassinatos,
genocídios, esperanças, resiliência, empatia... Na história temos inúmeros
acontecimentos capazes de mostrar o pior e o melhor da humanidade.
Em 1939, o mundo acompanhava
horrorizado os desdobramentos da Segunda Guerra e o extermínio dos judeus dos
parte dos nazistas. O que pouca gente sabe/comenta, em especial aqui no
Ocidente, é que nos países bálticos – Estônia, Letônia e Lituânia, milhões de
pessoas foram raptadas e transportadas a força para os Gulags russos, numa
empreitada orquestrada pela União Soviética de Stalin e que culminou em pelo
menos 20 milhões de mortos.
Para trazer à tona parte desta
história triste e horripilante, a escritora Rita Sepetys, após um intenso
trabalho investigativo que envolveu psicólogos, historiadores, funcionários do
governo, sobreviventes dos Gulags, entre os quais estão muitos parentes; nos
presenteia com o livro Cinzas na Neve, lançado pela editora Arqueiro. Nele
somos apresentados a Lina Vilkas, uma jovem de 15 anos que narra a história de
deportação de sua família - da Lituânia para os Gulags soviéticos, na Sibéria.
O livro é dividido em 3
blocos. Na primeira parte, conhecemos Lina e sua família. Filha do reitor da
universidade, Lina tinha uma vida confortável na Lituânia, com muitos sonhos e
projetos em vista. Ainda nessa parte do livro, acompanhamos os primeiros passos
da deportação, no qual muitos professores, médicos e advogados, foram taxados
de ladrões e prostitutas para justificar o injustificável, sendo sequestradas e
despachadas em trens, com condições piores do que animais. Já na parte
seguinte, a maior da obra, Lina e sua família, se estabelece nos campos de
trabalhos forçados, nos quais passam a conviver com a fome, doenças, mortes e
outras variedades de violências. Aqui, também vemos a resiliência e a bondade,
como elementos chaves para manter as esperanças e a própria identidade, além de
ser o impulso da sobrevivência. Por fim,
vimos Lina lutando pela sobrevivência no Gulag da Sibéria, em temperaturas
extremas e em condições cada vez mais adversas, agora com uma fome inumada e
perdas que marcarão para sempre a sua vida.
A escrita de Rita Sepetys é
ágil e muito fidedigna, o que releva o cuidado minucioso de seu trabalho de
pesquisa. O fato de ter tido parentes sobreviventes dos campos da Sibéria,
contribui para que seu texto tenha coração e envolva os leitores numa gama de emoções
que vai variando na medida que os personagens entram em cena. A leitura também
nos permite adquirir conhecimentos geográficos de uma região pouco abordada na
literatura Ocidental; históricos, já que quase nunca se fala da perseguição
russa aos povos bálticos na Segunda Guerra e, ainda, faz justiça as milhões de
vítimas do regime soviético, que tiveram sonhos interrompidos e vidas ceifadas
por simplesmente não compactuarem com uma ideologia estranha aos seus costumes
e valores.
Cinzas na Neve é um livro
poderoso e emocionante sobre um dos acontecimentos mais tristes da humanidade,
no qual pudemos acompanhar o melhor e o pior dos homens. É, também, uma obra
importantíssima pelo seu caráter informativo, em especial, por vermos o
surgimento e o fortalecimento dos extremistas em várias partes do planeta, e
que precisamos estar vigilantes e combater a todo momento. E acima de tudo, um
livro que nos faz refletir sobre como reagimos as mazelas do mundo e que
respostas deixaremos para a geração futura.
“Há guerras feitas de bombardeios. Para os povos bálticos, essa guerra foi feita de crenças. Em 1991, após 50 anos de uma ocupação brutal, os três países reconquistaram sua independência, com paz e dignidade. Eles escolheram a esperança em vez do ódio e mostraram ao mundo que, mesmo na mais escura das noites, existe luz. Por favor, pesquisem a respeito. Contem a alguém. Esses três minúsculos países nos ensinaram que o amor é a mais poderosa das armas. Pode ser o amor por um amigo, por um país, por Deus, ou até mesmo pelo inimigo – o amor nos revela a natureza realmente milagrosa do espírito humano.”
- Curiosidades:
O livro foi lançado inicialmente com o título A Vida em Tons de Cinza e teve uma adaptação para os cinemas.
Resenha fantástica! Deu muita vontade de ler e aprender um pouco mais sobre esse episódio triste da história. Mesmo sendo um desdobramento da guerra do qual mais ouvimos falar e mais estudamos na escola, eu realmente desconhecia a maior parte do que parece ser narrado no livro.
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