A Mulher Com Olhos de Fogo (Nawal El Saadawi)
- "Uma
pessoa que foi privada da capacidade de confiar vive à margem da
sociedade; ela é só a sombra de um ser humano. Tal pessoa vive por
instinto, e suas avaliações e considerações não vão além da necessidade de
sobrevivência." - 06
- "Deixe-me
falar. Não me interrompa. Eu não tenho tempo para escutá-la. Eles virão me
buscar às seis horas da tarde de hoje. Amanhã de manhã eu certamente já
não estarei mais aqui. Nem aqui nem em nenhum outro lugar deste mundo.
Essa viagem rumo ao desconhecido, a um lugar onde ninguém neste mundo
jamais esteve, me enche de orgulho. Durante toda a minha vida eu busquei
algo que me enchesse de orgulho, que me fizesse sentir superior a toda e
qualquer pessoa, superior até mesmo a reis, príncipes, chefes de
estado." - 31
- "Um
homem não conhece o valor de uma mulher... A mulher é a única que
determina o seu próprio valor. Você decide o quanto vale, e quanto mais
alto for esse valor, esse preço, mais os homens entenderão que você é
realmente preciosa..." - 89
- "...
uma mulher trabalhadora tem mais medo de perder o emprego do que uma
prostituta tem de perder a vida. Uma funcionária morre de medo de perder o
emprego e ter que virar uma prostituta, porque não entende que a vida de
uma prostituta é na verdade melhor que a dela. E assim, com sua vida, sua
saúde, seu corpo e sua mente ela paga o preço por seus medos ilusórios.
Ela paga um preço altíssimo para receber coisas de valor irrisório. Eu
havia entendido que todas nós éramos prostitutas que se vendiam por preços
variados, e que uma prostituta cara era melhor que uma prostituta barata.
Também havia entendido que se perdesse o meu emprego, tudo o que eu
perderia era meu salário miserável, o descaso que eu via todos os dias estampado
no semblante dos altos executivos quando eles olhavam para as funcionárias
de cargo mais modesto, a humilhante pressão de corpos masculinos contra o
meu quando eu andava de ônibus, e a longa fila matinal diante de um
banheiro coletivo perpetuamente ocupado." - 118
- "Eu
sabia que políticos de sucesso não conseguiam aceitar uma derrota diante
de outras pessoas, provavelmente porque sempre carregavam a derrota dentro
de si mesmos. O ser humano não é capaz de lidar com uma dupla derrota.
Isso pode explicar por que estão sempre tentando subir ao poder. Ter poder
sobre outras pessoas lhes confere um sentimento de supremacia. E isso os
faz sentir vitoriosos, afastando-os da derrota. Assim, ocultam o fato de
que são essencialmente vazios por dentro, apesar da impressão de grandeza
que tentam causar nos outros ao seu redor, a única coisa que importa para
eles." - 136
- "Apesar
de tudo, eu não tinha a menor dúvida a respeito da minha integridade e da
minha honra como mulher. Eu sabia que a minha profissão tinha sido
inventada por homens, e que os homens controlavam os nossos dois mundos,
este da terra e o outro no céu. Sabia que os homens forçavam as mulheres a
venderem seus corpos por um preço , e que o valor mais baixo era o da
esposa. Todas as mulheres são prostitutas de um tipo ou de outro. Eu era
inteligente, e por isso preferi ser uma prostituta livre em vez de ser uma
esposa escravizada. Eu cobrava sempre um alto preço para permitir que
desfrutassem do meu corpo. Podia empregar quantos criados eu quisesse para
lavar minhas roupas e limpar os meus sapatos, contratar os mais caros
advogados para defender minha honra, pagar um médico para fazer um aborto,
pagar um jornalista para publicar nos jornais a minha fotografia e um
texto a meu respeito. Todos têm um preço, e existe um salário para cada
profissão. Quanto mais respeitável a profissão, maior o salário; e o preço
de uma pessoa sobe à medida que ela galga os degraus da escada
social." - 138
- "Eu
sei porque eles me temem tanto. Eu fui a única mulher que arrancou a
máscara, e eu expus a face da feia realidade deles. Eles me condenaram à
morte não porque matei um homem... mas porque eles têm medo de me deixar
viver. Eles sabem que não estarão seguros enquanto eu estiver viva, pois
eu irei matá-los. Se eu viver, eles morrerão. Se eu morrer, porém, eles
viverão. E eles querem viver. E viver para eles significa cometer mais
crimes, mais roubo, e pôr as mãos numa fortuna infinita. Eu triunfei sobre
a vida e sobre a morte porque não desejo mais viver, e já não tenho mais
nenhum medo da morte. Eu não desejo nada. Eu não espero nada. Eu não temo
nada. Portanto, estou livre. Porque durante a vida o que nos escraviza são
nossos desejos, nossas esperanças, nossos medos. A liberdade da qual eu
desfruto enche-os de ódio. Eles adorariam descobrir que existe, afinal de
contas, alguma coisa que eu deseje, ou que eu tema, ou que eu espere.
Assim eles saberiam como me escravizar mais uma vez." - 150 e 151
- "...
a verdade é sempre fácil e simples. E nessa simplicidade reside um poder
selvagem. Eu só tomei contato com as verdades primitivas e selvagens da
vida após anos de luta. Pois é muito raro que as pessoas consigam em
alguns poucos anos perceber as verdades da vida: simples, porém impressionantes
e poderosas. E se uma pessoa alcança a verdade, isso significa que ela não
sente mais medo da morte. Porque morte e verdade são similares em um
aspecto: quem deseja confrontá-las necessita de grande coragem. E a
verdade é como a morte, já que também mata. Quando matei, fiz isso com a
verdade, não com uma faca... Eles não temem a minha faca. O que os amedronta
é a minha verdade. Essa verdade terrível me confere grande força. Ela me
afasta do medo da morte, da vida, da fome, da nudez, da destruição. Graças
a essa verdade terrível eu não temo a brutalidade dos governantes e dos
policiais. Eu não penso duas vezes para cuspir nos seus rostos, nas suas
palavras mentirosas, e nos seus jornais mentirosos." - 153
- "...
a voz dela continua a ecoar nos meus ouvidos, vibrando dentro da minha
cabeça, na cela, na prisão, nas ruas, no mundo inteiro. Transformando
tudo, espalhando o medo por todos os lugares, o medo da verdade que mata,
o poder da verdade, tão violento, simples e terrível quanto a morte, e
mesmo assim tão simples e tão nobre quanto uma criança que ainda não
aprendeu a mentir." - 158
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